Se prosperar a desoneração parcial, ela trará desafios e oportunidades, exigindo adaptações estratégicas para as empresas
Um acordo entre o Congresso e o Governo Federal definiu que a desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia permanecerá sem alterações até que o governo proponha um Projeto de Lei sobre o assunto. Esse entendimento impede a revogação da Medida Provisória (MP) 1.202/2023, que inicialmente contemplava restrições à desoneração.
Uma dessas restrições é a desoneração parcial da folha de pagamento, limitada ao valor de um salário mínimo por trabalhador. A possibilidade da manutenção dessa limitação num Projeto de Lei, faz com que as empresas se vejam diante do desafio de como reorganizar suas operações e finanças de maneira eficaz.
Para Marcelo Costa Censoni Filho, sócio do Censoni Advogados Associados, especialista em Direito Tributário e CEO do Censoni Tecnologia Fiscal e Tributária, essa questão se torna ainda mais premente considerando a necessidade de revisar a estrutura de custos e adaptar orçamentos, particularmente no que tange aos custos trabalhistas.
“Para otimizar a produtividade e compensar custos adicionais, torna-se imperativo investir na capacitação e no desenvolvimento dos funcionários. Além disso, a modernização dos sistemas de contabilidade e de recursos humanos, somada a uma comunicação transparente com os colaboradores, é fundamental para assegurar uma transição suave frente a essa nova legislação”, diz Censoni.
Já para Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur, mestre em Direito Tributário pela PUC/SP e presidente do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (ABAT), a questão de salários está atrelada a cargos e funções e “não deve haver uma mudança radical de planos pelas empresas, mas apenas a adaptação quanto à eventual redução do benefício”, diz Natal.
Um debate central neste contexto é se a desoneração da folha de pagamento deveria ter sido contemplada na atual reforma tributária, focada no consumo, ou se poderá constar na reforma focada na renda.
Para Natal, a desoneração, da forma que está hoje, não. Para ele, em termos de política fiscal, não é uma medida justa, pois privilegia algumas atividades em detrimento de outras.
“Mas a questão da tributação sobre a folha como um todo, essa sim poderia ser objeto de uma reforma, com a readequação de alíquotas conforme a maior oferta de mão de obra, ou seja, na medida em que uma empresa contrate mais empregados, menores seriam as alíquotas. E essas alíquotas poderiam incidir de forma escalonada”, pensa o tributarista.
Cada abordagem apresenta suas vantagens e desafios, entende Censoni Filho. Enquanto a reforma tributária sobre o consumo promete simplificar o sistema tributário e estimular o consumo, sua capacidade de incentivar diretamente a criação de empregos é limitada, diz ele.
“Por outro lado, uma reforma tributária centrada na renda oferece uma oportunidade de direcionar benefícios específicos para a redução dos encargos trabalhistas, promovendo não só o emprego, mas também a justiça fiscal. No entanto, esta última opção enfrenta desafios de implementação e necessita de mecanismos de ajuste fiscal para evitar déficits orçamentários”, pondera Censoni Filho.
Nas negociações com o Congresso, o Governo cogitou ampliar a desoneração para outros setores da economia em um eventual projeto de lei. Para os tributaristas, de certa maneira, essa ampliação seria positiva.
Natal lembra que o sistema de tributação sobre a folha salarial originalmente não foi criado para contemplar vantagens, mas sim como um sistema de custeio da previdência, constituído em 1988, com o advento da Constituição vigente, e regulamentado de forma detida em 1991, pela Lei Geral da Previdência.
“Entendo que seria necessária uma revisão desse modelo, notadamente pelo enorme contencioso que foi criado, em face das falhas legislativas cometidas desde a sua criação”.
Para os setores atualmente não contemplados pela desoneração proposta, o cenário é misto, pensa Censoni Filho.
“A esperança de inclusão em políticas de incentivo futuras coexiste com a apreensão sobre uma possível concorrência desigual, que pode pressionar as margens de lucro”.
Outra discussão recai sobre a efetividade da desoneração da folha como política para geração de emprego. Recentemente, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, indicou estudos apontando que não há comprovação de impactos positivos, consistentes e sustentados sobre empregos e salários.
Eduardo Natal tem uma posição pragmática sobre esse aspecto. Ele entende que o benefício foi concedido e as empresas que gozam dele se programaram para desenvolver suas operações com base nessa realidade.
“Penso que poderia ser mantida a desoneração com o compromisso de se rever toda a tributação sobre a folha de salários. Mas essa é uma batalha difícil, pois as contribuições previdenciárias são a principal fonte de arrecadação do Governo Federal”, conclui ele.
Na visão de Censoni Filho, a proposta de desoneração parcial da folha de pagamento representa um ponto de inflexão significativo para o ambiente empresarial brasileiro, sinalizando a necessidade de um diálogo inclusivo sobre as reformas tributárias.
“À medida que o Brasil avança nesse debate, a flexibilidade, o planejamento estratégico e o engajamento político surgem como ferramentas essenciais para navegar por esse cenário complexo, garantindo um desenvolvimento sustentável e inclusivo para todas as partes envolvidas”, conclui Censoni Filho.