Por Angela Rocha – Jornalista e escritora.
Andei viajando e revisitando meu passado. Reencontrei, graças ao facebook, uma amiga e vizinha da minha infância. Uma lembrança congelada no tempo por quase meio século.
Ela me encontrou porque eu comecei a escrever e contar histórias. E, eu comecei a escrever e contar histórias porque lá atrás, ela me despertou o gosto pela leitura e pelos livros.
A casa da minha vizinha do terceiro andar era o refúgio para onde eu corria quando meus pais brigavam. O aconchego e acolhimento vinham em forma de fatias de bolo, que sua mama italiana preparava com mãos de fada. Eram deliciosas e pareciam estar sempre saindo do forno.
Esse refúgio, com o tempo, virou a minha biblioteca pessoal. Foi a minha vizinha que me emprestou para ler o primeiro livro da Agatha Christie e, depois, vários outros escritores perfeitos para uma garota iniciante na leitura.
Os livros foram tão importantes em nossas vidas que eu virei jornalista e ela professora de História. A vida nos separou quando mudei de endereço. Ela já estava na faculdade e, eu, terminando o ensino médio. Quanto tempo faz isto… mas parece que foi ontem.
A cidade de Leiria, em Portugal, foi o belo cenário desse reencontro. O espaço escolhido fez tudo ficar ainda melhor. Foi literalmente a cereja do bolo. Uma cafeteria-padaria artesanal repleta de iguarias. Só mesmo os deuses da escrita planejariam algo tão perfeito.
Uma conexão se estabeleceu de imediato, como se o corte no tempo não tivesse existido. A conversa fluía alegre como na infância; e as lembranças vinham com os recortes da memória de cada uma… Eu lembrava de algumas histórias e ela de outras. E, como em uma imensa colcha de retalhos, as partes iam se juntando e formando um todo único e real…: “as nossas melhores lembranças…”.
É um privilégio poder se reconectar com o passado tão distante, de forma tão afetiva e próxima. As marcas e cicatrizes do tempo não tiraram a nossa alegria. Reencontramos o mesmo olhar e o mesmo sorriso de antes. Descobrimo-nos felizes. O reencontro foi mágico.
Teria ficado ali por longas horas… Não iriam faltar histórias para lembrar e atualizar as nossas vidas. A cumplicidade já estava restabelecida. Mas meu tempo em Portugal seria curto e prometemos novos reencontros e outros momentos bons assim. A despedida foi uma espécie de até amanhã.
Parti para Genebra, depois Berna e Gruyere. Encontrei, ao acaso, brasileiros em todos estes lugares. Em um lindo restaurante subterrâneo, em Berna, um colombiano que morou muitos anos no Brasil, no Rio de Janeiro – e falava um português perfeito – nos brindou com a confissão de que o melhor lugar do mundo para ele era a favela do Vidigal e não a capital da Suiça…
Em Gruyere, ainda do lado de fora da estação de trem, enquanto decidíamos como chegar até o hotel, escutamos um idioma familiar: Uma jovem piauiense se apresenta para nos mostrar um ônibus que sairia em dois minutos e nos levaria até o centro do pequeno vilarejo… Foi uma gentileza típica de brasileiro que nos salvou de uma caminhada, em uma subida íngreme, arrastando malas.
Encontros ao acaso ou encontros marcados. A vida é feita deles. Usufruir desses momentos é o que faz tudo valer a pena. Escrever sobre eles é o que amarra todas as pontas soltas e constrói pontes que nos ligam e nos conectam.
Busco os retalhos para o meu artesanato no rico vocabulário do nosso idioma…e foi lá, no terceiro andar do prédio da minha infância, mais precisamente, na estante do quarto da minha vizinha, que encontrei as primeiras referências para o meu trabalho…
Viva os muitos encontros da vida!