Extrativistas criam novo modelo de startup para acessar mercados da bioeconomia
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Extrativistas criam novo modelo de startup para acessar mercados da bioeconomia

Com apoio do Idesam, Inatú Amazônia inova no negócio coletivo e fortalece a comercialização de produtos da floresta, como o super aromático óleo essencial de breu

Um dos principais desafios para destravar a bioeconomia é a construção de pontes entre as associações extrativistas das várias regiões amazônicas e os mercados consumidores. A dificuldade logística, a demanda por grandes volumes em prazos curtos e a prática de preços injustos são questões recorrentes. E a busca por soluções inspirou a criação da Inatú Amazônia – startup de origem comunitária que comercializa bioprodutos oriundos de diferentes territórios, no Amazonas. O objetivo: viabilizar o escoamento, a estocagem e a chegada às prateleiras, com ganhos ambientais e sociais.

O negócio tem como característica a gestão participativa, com organizações produtivas – ribeirinhas e indígenas – na tomada de decisão. “Ter um CNPJ único facilita processos de logística, marketing e comercialização, com agilidade e acesso mais fácil a recursos e mercados”, afirma Marisa Taniguchi, CEO da Inatú Amazônia, que se prepara para incorporar mais de 100 extrativistas como sócios-acionistas. A trajetória começou em 2019, quando a iniciativa foi estruturada como marca coletiva, no âmbito de um projeto socioambiental do Idesam voltado à capacitação e fortalecimento de cadeias produtivas sustentáveis.

Até setembro de 2023, as associações locais vendiam separadamente os produtos sob o guarda-chuva da marca Inatú Amazônia. Mas, no sentido de facilitar a gestão comercial envolvendo territórios de regiões distantes, havia a necessidade de um novo salto com o estabelecimento de uma empresa para a compra dos produtos a preços justos e revenda no mercado. Neste formato jurídico, a iniciativa coletiva tem melhores condições de ampliar a rastreabilidade e os selos de certificação dos insumos como diferencial para atender maior escala de demanda comercial.

Além do que é comercializado como matéria-prima para indústrias, produtos de maior valor agregado, como óleos vegetais fracionados em menores volumes para venda no varejo, são destaques no portfólio. “O crescimento é alinhado à estruturação das bases de produção, com respeito ao tempo da floresta”, explica Taniguchi. O plano neste ano é dobrar os investimentos na aquisição de insumos das comunidades, enquanto estrutura cadeias produtivas e novos centros de estocagem e distribuição em grandes cidades, na estratégia de expandir a comercialização em empórios e supermercados, além da venda online.

Até o momento, a Marca Coletiva apoiou a comercialização de R$ 11 milhões em óleos, manteigas vegetais e objetos de madeira, no total de seis organizações locais, abrangendo 488 famílias em três territórios no Amazonas. São 2,3 milhões de hectares de área de floresta com apoio para conservação e uso sustentável.

O negócio prevê o repasse de até 10% dos lucros às organizações comunitárias que fazem parte do conselho gestor. E ainda há a vantagem de escoar excedentes da produção já acertada em contratos firmados diretamente por essas associações com empresas compradoras. “O modelo tem o diferencial de aliar impacto socioambiental positivo e expectativa de lucro, com maior retorno à cadeia de valor e redução de efeitos negativos das oscilações de mercado. A formação de estoques permite atenuar as limitações da sazonalidade de safras”, aponta André Luiz Menezes Vianna, diretor técnico do Idesam, instituição onde a Inatú Amazônia está incubada. “Com assistência técnica e de gestão, a meta é atingir maturidade financeira nos próximos cinco anos, com menor dependência de recursos filantrópicos”.

O cenário facilita conexões comerciais com potencial de manter a floresta em pé, como a parceria entre Inatú Amazônia e Origens Brasil, rede que aproxima organizações de produtores e empresas compradoras de insumos, voltadas ao comércio justo. A iniciativa está presente em cinco grandes territórios na Amazônia, totalizando 61 milhões de hectares. No total, são 4,1 mil produtores e 37 empresas, entre elas a Natura, Lush, Mercado Livre e Grupo Carrefour.

O potencial do breu

Uma novidade trazida por essa parceria está no óleo essencial de breu, de alto poder aromático, beneficiado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Uatumã e vendido pela Inatú Amazônia para empresas de cosméticos e velas de aroma amazônico. Além da visibilidade e apoio junto ao Origens Brasil, o óleo tem o selo socioambiental do Forest Stewardship Council (FSC). A certificação atesta a origem e o cumprimento de boas práticas, incluindo produtos madeireiros processados por uma marcenaria local.

O produto compõe o cardápio da Inatú Amazônia, que inclui os óleos de copaíba, buriti e andiroba, óleos essenciais de breu e café verde e as manteigas de murumuru e tucumã. A resina de breu, utilizada pelos antigos indígenas na calafetagem de barcos, rituais espirituais e cura de dores de cabeça e inflamações, quadruplicou de valor quando passou a ser beneficiada para extração de óleo essencial na RDS do Uatumã, com apoio do Idesam. O preço pago ao extrativista passou de R$ 1,50 para R$ 8 o quilo da resina. O insumo processado em óleo essencial é vendido por R$ 2 mil o litro.

A Associação de Produtores Agroextrativistas da Colônia do Sardinha (ASPACS), em Lábrea (AM), é uma das organizações comunitárias fornecedoras que compõem o Conselho Deliberativo e de Governança da Inatú Amazônia. Em seis anos, foram negociados R$ 8,5 milhões com apoio do coletivo Inatú Amazônia – transações em que o óleo de copaíba tem sido o carro-chefe, extraído pelos moradores de terras indígenas e comunidades ribeirinhas.

Fortalecida pelo apoio do Idesam e outros parceiros na gestão, ASPACS desenvolve projeto inédito que transforma resíduos da castanha-do-brasil em fibras, comercializadas para produção de bioplástico em indústria da Zona Franca de Manaus. O biomaterial comporá embalagens e peças de computadores e outros eletrônicos. “A inovação cria valor para o que era descartado na floresta, aumentando em 40% os ganhos com a castanha”, comemora o indígena Rogério Apurinã, funcionário da organização.