Tecnologias

Gengibre-amargo se transforma em tecnologia farmacêutica e ganha novo valor na bioeconomia

Apoiado pelo PPBio, bioinsumo amazônico para diabéticos evidencia o potencial da região para a indústria farmacêutica

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima a existência de 300 milhões de diabéticos no mundo, 18 milhões no Brasil. Cerca de 20% dos casos resultam em lesões conhecidas como “pé diabético” – hoje uma das maiores causas de internação do SUS. O quadro se caracteriza por feridas de difícil cicatrização que podem levar à amputação do membro, quando agravadas, o que demanda soluções de novos medicamentos de maior efetividade.

A boa notícia é a inovação que chega da biodiversidade amazônica, com o desenvolvimento de um gel cicatrizante de alta performance, patenteado pela Biozer – indústria farmacêutica de saúde e bem-estar, sediada em Manaus. “Metade dos casos que evoluem para úlcera diabética obriga a amputação; é inaceitável ver pessoas mutiladas vivas”, aponta Danniel Pinheiro, CEO da empresa, com plano de focar inicialmente no mercado hospitalar.

Os poderes do novo produto estão no gengibre-amargo, espécie vegetal estudada por mais de 30 anos no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) pelo pesquisador Dr. Carlos Cleomir Pinheiro, pai do empreendedor. “Um grande desafio é transformar a inovação em negócio”, ressalta o empresário, que em 2016 associou-se à Amaral Neto – especialista em gestão estratégica e modelagem industrial – para montar o planejamento e avançar nas etapas até o produto final.

Após ensaios clínicos iniciais com 95% de sucesso, será iniciado um ensaio clínico multicentro, com 100 pacientes em Manaus, para a última etapa de validação do produto, necessária ao registro com dados robustos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O projeto inclui a estrutura de laboratório e a planta piloto adequada para validar o protótipo. A conclusão dos ensaios clínicos é apoiada pelo Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio), no total de R$ 4,2 milhões. Já há sinalização de mais recursos para o desenvolvimento de outros subprodutos originários da pesquisa com o gengibre-amargo.

O PPBio é uma iniciativa da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), coordenada pelo Idesam, para o repasse de recursos de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) que as empresas são obrigadas a investir como contrapartida dos incentivos fiscais. No projeto da Biozer, além dos testes clínicos, o investimento também abrange a validação do cultivo do gengibre-amargo para transferência a pequenos produtores rurais em consórcio com outras espécies, nas agroflorestas. A planta tem uso na medicina tradicional da Amazônia como antiespasmódico, e agora ganha novo valor devido ao seu principal bioativo, a zerumbona.

Trata-se do primeiro produto para a saúde desenvolvido pela empresa, para além de inovações em dermocosméticos feitos de açaí e dezenas de outros bioinsumos, que já comercializa, com mais de 100 formulações no mercado. O objetivo, diz Pinheiro, é destacar-se como referência de indústria farmacêutica na Amazônia. “Muito se fala sobre o potencial da biodiversidade, mas para transformá-lo em produto de maior valor agregado é necessário um olhar mais sensível [do mercado] e mais investimentos em infraestrutura para tornar realidade um futuro polo industrial neste setor na região”, analisa o CEO.

Segundo Pinheiro, o novo fitoterápico para tratamento da úlcera diabética é “uma demonstração de como é possível avançar em segmentos tão complexos na Amazônia, longe dos grandes centros”. “Como amazônida, tenho obrigação de tornar isso realidade, movimentando a economia local sem destruir a floresta”, afirma.

Na análise de Paulo Simonetti, líder de bioeconomia e inovação no Idesam, “o uso da biodiversidade da floresta para a cura de doenças sempre esteve no imaginário desde o período colonial, em relatos de viajantes portugueses e espanhóis na Amazônia, mas são poucos os exemplos incorporados pela indústria farmacêutica, com geração de renda na região”. Mesmo nos casos mais famosos de utilização da biodiversidade para geração de produtos farmacêuticos, pouco se agregou valor na região como é o caso do anti-hipertensivo obtido do veneno da jararaca, o Captopril, produzido por uma multinacional, com molécula sintetizada no exterior. Outro exemplo é o da planta nativa jaborandi, da qual se obtém a pilocarpina, usada no tratamento de glaucoma. “A maioria dos fitoterápicos vendidos no Brasil tem origem asiática ou europeia. Esse tem toda a trajetória de desenvolvimento e produção na Amazônia, um caso único.”, reforça Simonetti.

De acordo com o Instituto Escolhas, o mercado global de fitoterápicos foi avaliado em US$ 216,4 bilhões em 2023. Um ano antes, em 2022, o faturamento do setor no Brasil havia atingido somente 0,1% desse valor (US$ 173 milhões ou R$ 868,4 milhões). “É um promissor campo de exploração para a bioeconomia”, destaca Simonetti. O tema se destaca nas estratégias de investimento do PPBio, programa que já captou R$ 135 milhões para repasse a 61 projetos de bionegócios amazônicos, abrangendo 38 empresas investidoras até o momento.

“Quem tem essa pegada de transformar a pesquisa ou uma boa ideia em nota fiscal está recebendo aportes maiores em relação aos que preferem guardar a pesquisa para virar um livro na biblioteca da universidade”, observa Rebecca Garcia, CEO da GBR, fabricante de chip para computadores em Manaus. A empresa investiu na tecnologia farmacêutica para úlcera diabética da Biozer, com participação societária no produto alvo, na estratégia de diversificar e ter a bioeconomia como novo filão para além do mercado eletroeletrônico. A GBR já havia investido em dermocosméticos à base de açaí, andiroba e outros insumos, e agora avalia ampliar parcerias para entrar no campo dos bioplásticos.

“Podíamos investir em projetos no nosso setor tradicional, mas decidimos fazer aporte para transformar pesquisa em bioproduto e contribuir com o desenvolvimento de cadeias econômicas do interior”, completa a empresária. “A iniciativa privada tem o diferencial de unir essas pontas”.

 

 

 

 

 

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