Pesquisadora da Embrapa, Rosemary Vilaca
A proposta da Lei Geral do Licenciamento Ambiental (LGLA), em tramitação no Congresso Nacional por meio do Projeto de Lei nº 2.159/2021, traz consigo a promessa de tornar mais ágil e menos burocrático o processo de licenciamento no Brasil. Em um país onde a morosidade administrativa pode travar projetos estratégicos para a infraestrutura e o desenvolvimento regional, essa intenção é legítima. No entanto, agilidade não pode ser sinônimo de enfraquecimento da proteção ambiental.
Ao contrário do que se pensa, o PL 2.159/2021 não é uma manobra isolada. Ele compõe um conjunto de proposições legislativas que, sob o pretexto da modernização, ameaçam provocar um retrocesso na legislação socioambiental brasileira. Projetos como o PL 3.729/2004, o PL 510/2021 (regularização fundiária), o PL 2.633/2020 (conhecido como “PL da Grilagem”) e outros relacionados à flexibilização do uso da terra e da vegetação nativa (como o PL 686/2022) formam um perigoso “pacote da destruição”, como vêm alertando pesquisadores, ambientalistas e algumas instituições que já identificaram essa articulação de investida contra o poder de governança da Federação.
Entre os principais riscos da LGLA e dos projetos similares, está a fragmentação das competências federativas. A descentralização proposta permite que estados e municípios licenciem empreendimentos com pouca ou nenhuma supervisão federal. Embora isso possa parecer uma forma de adaptar as regras à realidade local, na prática pode comprometer a uniformidade normativa e a capacidade técnica e fiscalizatória, especialmente nas regiões que mais carecem de estrutura administrativa, técnica e científica.
De modo claro, essa fragmentação reduz a autoridade da União em temas centrais como segurança ambiental, exploração de solo e subsolo, combate ao desmatamento e uso dos recursos naturais. Como consequência, há um risco direto de enfraquecimento do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) e da própria governança ambiental do país. Além disso, configura contrariedade direta aos princípios constitucionais do Art. 225 da Constituição Federal, que estabelecem como dever do Poder Público garantir a preservação do meio ambiente para as presentes e as futuras gerações. Ao enfraquecer a coordenação nacional e permitir legislações divergentes entre entes federativos, o PL afronta o pacto federativo e a responsabilidade solidária entre os entes na proteção ambiental.
Outro ponto sensível é a redução da participação social nesta agenda de PLs. A exemplo disso, o PL 2.159/2021 traz consigo, sutilmente, uma proposta que diminui a obrigatoriedade das audiências públicas e restringe o espaço de escuta às comunidades afetadas, o que vai na contramão dos princípios da transparência, do controle social e da equidade. Em um país marcado por desigualdades territoriais e ambientais, retirar o direito à voz é também retirar o direito à proteção – uma cicatriz do que vivenciamos durante os anos de chumbo.
Considero ser urgente e necessário buscar eficiência no licenciamento ambiental, sim. Mas é igualmente imperativo garantir que essa eficiência venha acompanhada de rigor técnico-cientifico, justiça ambiental, participação social efetiva e fortalecimento institucional das competências constitucionais. Precisamos de um licenciamento moderno, mas que respeite os princípios constitucionais do meio ambiente ecologicamente equilibrado, da precaução e da prevenção.