Muito tem se falado sobre a possível “privatização dos parques do Rio”, anunciada na coluna Ancelmo Gois, no Jornal O Globo. É natural que nós, progressistas, tenhamos, a priori, uma postura reativa, já que nos últimos anos
vivenciamos intenso ataque a direitos conquistados e ao patrimônio público quando realizadas “privatizações” sob a justificativa de modernização do Estado. Portanto, caso a pergunta do título me fosse realizada há alguns anos,
provavelmente eu diria que se tratava de uma absurda ameaça. Bebia, naquele momento, de uma certa ortodoxia no pensar a coisa pública, fundamentada numa ojeriza aos projetos privatizantes que conheci, mas eu estava errado.
Com o passar dos anos compreendi que o problema não é privatização em si, mas fazê-la em contexto e modelos desfavoráveis a sociedade. Creio agora que seja possível delegar a gestão à iniciativa privada e manter o bem
de uso público. A administração pública evoluiu, e suas modalidades mais contemporâneas, como as PPP (parcerias público-privadas) e a gestão social, estão aí para mostrar isso. Um bom exemplo internacional é o Central Park, de Nova Iorque. Após anos de abandono extremo por toda década de 1970, a
cidade fechou parceria com uma organização social (Central Park Conservancy) e, por meio de uma gestão privada social, devolveu aos nova-iorquinos (e porque não dizer aos cidadãos do mundo), um parque em todo seu
esplendor, bem conservado, ativo, seguro e verde. Atualmente, o Central Park contribui com mais de US$1 bilhão para a cidade de Nova Iorque, através de valores imobiliários e criação de empregos, enquanto requer um investimento de apenas 20% desse montante. Sem dúvidas um símbolo no qual qualquer cidade deveria se espelhar. Não seria uma boa ideia nossos parques também se autofinanciarem e ainda auxiliarem nosso combalido orçamento que dispõe de tantas prioridades e emergências?
Já no Brasil, podemos falar de parques, como o Burle Marx e Ibirapuera em São Paulo, ou o Mangal das Garças no Pará, que possuem modos de gestão privada muito interessantes e que, com ajustes e boa vontade, podem
ser usados como modelos a serem estudados em futuras modulações de editais para concessão de alguns parques do Rio em parceria público-privada. Antes de qualquer coisa, é importante desmistificar que a gestão privada
implica a cobrança de ingressos para frequentar os espaços. São coisas diferentes! Todavia, garantindo uma gestão particular, mesmo que social, é possível que os recursos advindos de serviços prestados no parque possam
ser reinvestidos em seu próprio desenvolvimento e conservação. Isso é diferente daquilo a que assistimos hoje, quando a política de caixa único e uma legislação muito precária não dão a esses espaços a importância que eles
merecem. Independentemente se o modelo a ser adotado será público ou privado, é essencial uma reestruturação de financiamento, administração e uso desses ambientes. Os parques urbanos vivem num limbo legislativo.Por não estarem bem definidos no SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), não possuem instrumentos como os conselhos gestores, os planos diretores e outros importantíssimos para gestões mais eficientes e com participação social.
Visto a precariedade da conservação de muitos parques da cidade do Rio de Janeiro, é inegável que precisamos experimentar novas possibilidades de gestão, mais contemporâneas e já utilizadas com êxito em diversos lugares do Brasil e do mundo. Quando estive como presidente da Fundação de Parques e Jardins, órgão responsável pela administração dos parques urbanos cariocas, assei por grandes dificuldades buscando entregar espaços de excelência. Esta poderia ser uma oportunidade para redesenhar o modelo institucional da própria Fundação, que vem sendo muito maltratada, tamanho o desaparelhamento do órgão, a ultrapassada concentração de atribuições e a corriqueira concorrência direta de outras agências governamentais que se sobrepõem na realização de sua função típica. Defendo a importância da presença do Estado de forma estratégica, mas é preciso reconhecer a realidade que se impõe hoje sobre os órgãos municipais, impedindo que o tomador de decisão tenha a liberdade e a rapidez requerida para a boa gestão. O mundo atravessa mudanças extremas e, para garantir espaços interessantes ao público, é preciso uma gestão ágil. Nosso arcabouço de regras, pensado para nos proteger de desvios e corrupção, acaba engessando e dificultando esse processo.
Outro fato a ser considerado é que, muitas vezes, o tema fica relegado a segundo plano administrativo, quando deveria ser encarado como uma significativa estratégia para uma política efetiva do projeto urbano e de saúde
pública, além de ser também uma ferramenta no enfrentamento da crise climática e na busca da realização dos desafios do desenvolvimento sustentável (ODS). Em 2016, tivemos uma edição do Festival Mimo na Praça Paris, na Glória, área central da Cidade Maravilhosa e patrimônio que data do início do século XX e, na ocasião, foi cenário para muitos shows antológicos e atividades educacionais oferecidas ao público de forma gratuita. Queremos que eventos democráticos como esse façam parte do nosso calendário cultural e aconteçam
também em todas as regiões da cidade. Ocorre que hoje, mesmo com a boa vontade de promotores culturais que desejam ativar o cenário da cidade, tudo é muito difícil e burocratizado e, quando o evento acontece, reverte muito pouco economicamente ao próprio parque.
Certamente, com gestões mais ágeis, os problemas expostos seriam contornáveis, facilitando o uso geral e também a exploração mercantil desses espaços em prol da cidade, o que proporcionaria parques urbanos com muito mais vida e calendários cada vez mais convidativos. A iniciativa privada – e aqui entendam também gestão social – possui condições de criar novos empregos e gerar renda por meio de suas estratégias de negócio e, com um contrato de gestão bem desenhado, pode até incrementar com verbas extraordinárias o erário do município.
No modelo atual, diversas atividades econômicas acontecem nesses lugares sem qualquer regulamentação, de forma que pouco ou nada é revertido financeiramente para a cidade, ou para arcar com a manutenção dos espaços. É preciso repensar essa estrutura, não só incentivando o empreendedorismo e a economia circular, mas também garantindo que os parques tenham sua própria arrecadação.
Convido aqueles que condenam a privatização dos parques cariocas a refletir e a olhar com outros olhos novas propostas que permitam melhor utilização, financiamento e conservação dos nossos parques, que têm seu
potencial desperdiçado há anos, com seu modelo de condução ultrapassado. Devemos persistir na luta por uma gestão mais flexível e inovadora, que entregue à comunidade e aos contribuintes espaços cada dia mais verdes, bem cuidados e ativados, permitindo avançar no desenvolvimento de um Rio de Janeiro cada dia mais sustentável, feliz e seguro, proporcionando o bem viver ao carioca em toda a cidade!
Everton Gomes – É Cientista político e pesquisa sobre cidades. Foi Presidente da Fundação Parques e Jardins da Cidade do Rio de Janeiro e atualmente é porta – voz do Coletivo Rio Boa Praça.