Notícias Rio de janeiro

As gêmeas

Por Angela Rocha –  Escritora e jornalista.
A maternidade não era o meu projeto de vida. Ria e chorava ao mesmo tempo enquanto abria a ultrassonografia que confirmava a desconfiança do médico: “prenhez gemelar”.
Eram gêmeas univitelinas, algo pouco comum no início dos anos 80. Eram idênticas, com uma diferença de míseros 100 gramas que depois se transformaram em dois centímetros a mais. Cada uma nasceu com quase três quilos… Uma missão hercúlea para uma jovem de 23 anos.
Não foram lúdicos os primeiros meses, foram desesperadores. Você acaba de amamentar a primeira; vai para o segunda, e quando acaba, já está na hora de voltar ao começo da fila. Desisti da missão antes de terminar o segundo mês, sem remorsos.
Era tudo na tentativa e erro. Um aprendizado constante. Doce e amargo ao mesmo tempo. Ia amadurecendo junto com elas. Ensinando e aprendendo. Foi muito remédio e nome trocado. Era o caos intercalado por momentos de risos e afeto.
A cena da janela foi um divisor de águas.
Elas tinham uns dois anos quando eu, distraída, tentava ler um livro na sala e não me dava conta da estranha calmaria no quarto. Comecei a ouvir uns gritos na rua chamando o meu nome. Fui até a janela, olhei e vi, na esquina, algumas pessoas conhecidas e outras estranhas. Todas olhavam e acenavam para mim. Achei esquisito, mas retribui os acenos e voltei para minha leitura.
Mas as pessoas pareciam não desistir e já aborrecida, larguei o livro novamente e voltei até a janela. O grupo parecia ter aumentado. Estranhei o exagero, mas dei um novo tchau, daqueles de miss e já ia voltando para a minha leitura quando o telefone tocou. Atendo e uma voz me fala:
– Não se assuste, mas as suas filhas estão andando na janela.
Largo o aparelho e corro para o quarto. As duas andavam de um lado para o outro na parte interna da grande janela de vidro. Espalmavam as mãos na estrutura, davam risadinhas e acenavam para as pessoas apavoradas na rua. Morávamos no sexto andar de um prédio de esquina com antigas e grandes janelas de três partes, duas fixas e uma deslizante no meio.
Agarrei as duas pela roupa e caímos as três no chão e no choro. Naquele dia amadureci uma vida.
Comecei a entender coisas simples como: crianças em silêncio é sinal de perigo.
Não é uma boa ideia colocar nomes quase iguais em gêmeos. Deu problema com o Detran, com o plano de saúde e com os amigos. Roupa igual, nem pensar. Deixava confusos até os mais próximos. Eu mesma, por vezes, precisava olhar bem de perto para saber quem era quem.
É claro que mais tarde elas se aproveitaram da semelhança em muitos momentos. Enganaram amigos e professores. Trocaram de sala em dia de prova. E outras histórias que nem estou autorizada a contar…
Apesar da semelhança física, as personalidades eram completamente diferentes. Uma sempre liderava a bagunça. A outra sempre cuidando e protegendo a irmã aventureira. Eram cúmplices. Se juntavam contra qualquer um que ousasse se meter nas suas disputas e discussões. (são assim até hoje)
Eu era rotulada como uma mãe “não tradicional.” – Nunca soube se isso era um elogio.
Em 2023 as gêmeas Larissa e Clarissa completaram 40 anos. Brincamos que elas são sobreviventes de uma mãe inexperiente – e eu sobrevivente de uma gravidez precoce, não planejada e dupla. Crescemos juntas.
Hoje elas enfrentam seus próprios desafios. A maternidade é um caminho difícil e sem volta.
Somos amigas e parceiras em um processo contínuo de transformação e aprendizado.
Dizem que a mãe que consegue fazer com que seus filhos sejam amigos, pode considerar sua missão cumprida. Pelo menos nesse quesito, a minha foi com louvor.
A foto das gêmeas na campanha eleitoral de 1985 foi tirada pelo amigo fotógrafo Jorge Reis. A ideia dele era guardar para me entregar em outro momento, já que eu não trabalhava mais na Tribuna. Por engano, ela desceu misturada com outras fotos e acabou na capa da edição do dia seguinte. Uma surpresa para ele e um susto para mim quando vi a carinha das minhas filhas penduradas na banca de jornal.
Sair da versão mobile