Rio de janeiro

Leonel Brizola, o Carnaval, a Educação e a Ciência

* Fernando Peregrino *
* Chefe-de-gabinete da Presidência da FINEP e vice-presidente do Clube de Engenharia.

Durante minha primeira gestão como presidente da Faperj (  Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do RiodeJaneiro) , tive a oportunidade de trabalhar ao lado de Leonel Brizola, no seu segundo governo, em iniciativas que marcaram o desenvolvimento da ciência, tecnologia e educação no estado do Rio de Janeiro.
Sua liderança visionária e compromisso com o progresso social foram determinantes para consolidar avanços estruturais e institucionais, que permanecem como legado até hoje.
Brizola era  prático, racional e disruptivo.
Visionário,  resolveu, em seu primeiro governo,  desmontar as arquivancadas da Marquês de Sapucaí e construir o atual  Sambodrómo, o maior teatro a céu aberto do mundo, para homenagear o Carnaval.
Só de uma cabeça como a do Brizola poderia sair a ideia de implementar esse projeto, em tempo tão curto, que até os amigos duvidavam que fosse possível.
Um momento muito emblemático da gestão brizolista foi a inauguração da internet acadêmica no Brasil, com a implantação da Rede Rio. Esse marco ocorreu em 22 de maio de 1992, no Núcleo de Computação Eletrônica (NCE) da UFRJ, e simbolizou um passo fundamental para a modernização da ciência e tecnologia no país. A Rede Rio não apenas conectou universidades e centros de pesquisa, mas também ligou a primeira escola de ensino médio e a Biblioteca Nacional à internet, ampliando o acesso ao conhecimento e preparando o Rio de Janeiro para a era digital. Brizola, sempre atento às mudanças globais, compreendeu o impacto dessa iniciativa e apoiou sua implementação.
Outra realização memorável foi a assinatura de um protocolo de cooperação entre o o Governo do Rio de Janeiro e  Cuba, durante a Rio-92, a histórica Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.
O acordo, firmado pelo proprio Fidel Castro, visava atender às vítimas do acidente com o césio-137 em Goiânia, garantindo suporte técnico e científico para lidar com os impactos fisicos e psicologicos da contaminação radioativa.  Para esse evento, Castro participou de uma reunião em um auditório do Riocentro, repleto de repórteres, com as presenças de Brizola, do então governador de Goiás,  Iris Resende,  entre outros.
Esse compromisso com a ciência aplicada e a cooperação internacional demonstrava a capacidade de Brizola de buscar soluções concretas para desafios nacionais. Um dos legados mais importantes desse protocolo foi a criação do Laboratório de Ciências Radiológicas (LCR) da UERJ, que se tornou referência na pesquisa sobre radiação e seus efeitos.
No ano seguinte, em 1993, organizei ( era o segundo governo de Brizola) o Seminário Internacional sobre Violência Urbana, realizado no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, com especialistas nacionais e internacionais para debater as causas e soluções para a escalada da violência nas cidades.
Brizola abriu o encontro, reafirmando sua posição de que a violência era impulsionada  por fatores sociais e econômicos, mas também pela forma como era representada e difundida pela mídia, especialmente a TV, uma concessão pulbica.
O seminário contou com a presença de especialistas como David Gascon, comandante da Polícia de Los Angeles, na epoca recem saida de uma onda de violência contra os negros, Paulo Sérgio Pinheiro, da USP, Muniz Sodré da UFRJ, o psiquiatra Jurandir Freire Costa, e o falecido comandante da PM do RJ, Nazareth Magno Cerqueira, entre outros. Foi um debate de alto nível, que destacou a necessidade de políticas públicas eficazes para combater a violência, além de um olhar crítico sobre o papel da mídia na construção da percepção pública sobre a segurança.
Brizola foi, ainda, o grande incentivador da criação da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), idealizada por Darcy Ribeiro. A instituição foi concebida para ser um centro de excelência no ensino e na pesquisa, com um modelo acadêmico inovador e forte ênfase na interdisciplinaridade. Seu apoio garantiu que a UENF se tornasse uma referência no ensino superior brasileiro.Como presidente da FAPERJ fiz parte da delegação que viajou a Cuba, com Darcy Ribeiro,   para recrutar cientistas daquele pais para a nova universidade.
Brizola foi uma experiência única, que reafirmou minha crença no poder transformador do conhecimento e da inovação.Seu legado permanece vivo nas instituições que ajudou a construir e na memória daqueles que tiveram a honra de compartilhar sua visão de futuro para o Brasil. Quando o mundo assiste, perplexo, o ressurgimento de lideranças, com perfil autoritario e negacionista,  esses exemplos demonstram que Brizola faz falta e que sua memoria deve ser cultuada.

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