Saúde

O que o caso Ana Hickman pode nos ensinar?

Nos últimos anos, os casos de violência doméstica têm ocupado espaço na mídia, e a história de Ana Hickmann nos instiga a uma análise mais aprofundada desse problema que aflige inúmeras mulheres em todo o mundo. Dados impactantes da ONU revelam que as mulheres frequentemente só encontram coragem para denunciar após a sétima agressão em relacionamentos abusivos. Surge a indagação: por que tantas mulheres “se submetem” ao invés de romper com esse ciclo de violência?

Desmistificando algumas narrativas, é evidente que a violência não faz distinção de classes sociais ou grau de escolaridade. A dependência econômica não é o fator preponderante para a persistência desse relacionamento abusivo. A violência transcende fronteiras sociais, ultrapassando classes econômicas. O papel crucial do agressor é menosprezar a vítima e destruir sua autoconfiança, criando um cárcere emocional que a acorrenta à situação.

O silêncio persistente das vítimas em relacionamentos abusivos é um tema que requer reflexão. Analisar a resistência das vítimas em denunciar agressões é necessário. Os sinais de um relacionamento abusivo se manifestam de maneira dissimulada. A exposição constante de machucados até mesmo nas redes sociais exemplifica esse disfarce, uma cortina de fumaça que camufla a verdade.

Esse véu de disfarce, onde a vítima sofre “acidentes” com frequência, torna-se uma armadilha que perpetua o ciclo de violência e dificulta a intervenção de terceiros, incluindo a polícia, que é a porta de entrada do sistema de justiça criminal. O comportamento agressivo do agressor é justificado como um simples “jeitão dele”, numa rede de desculpas que perpetua a impunidade.

Identificar um relacionamento abusivo pode representar um desafio significativo. Os sinais comportamentais apresentados pelos agressores são sutis e dissimulados, incluindo o controle excessivo sobre a vida da vítima, a imposição de restrições a amizades e contatos familiares, além da manipulação emocional, chantagem emocional e críticas constantes. Essa sutileza torna difícil para a vítima e as pessoas ao redor perceberem a gravidade da situação.

Contudo, é crucial que as mulheres abram os olhos para a realidade do relacionamento abusivo e superem a perda de esperança. A conscientização é o primeiro passo para desfazer as amarras emocionais que mantêm tantas mulheres aprisionadas.

Fonte: Raquel Gallinati – Delegada de Polícia. Diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil. (ADEPOL). Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Pós-graduada em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera – UNIDERP. Pós-graduada em Direito de Polícia Judiciaria na Academia Nacional de Polícia (ANP da Policia Federal) e pós-graduada em Processo Penal pela Escola Paulista de Magistratura (2023).

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