Repentistas transformam Ceilândia em musa apaixonada
Cultura

Repentistas transformam Ceilândia em musa apaixonada

Ceilândia é musa inspiradora de poetas apaixonados que se debruçam sobre suas belezas e contradições para enamorá-la. A cidade de 50 anos, comemorados neste sábado (27.3), derrete-se toda diante dos versos de Chico Repentista:

“Ceilândia é delta imponente

Desse Planalto Central,

Ninho de grandes artistas,

Um caldeirão cultural

Que efervesce a cultura

Do Distrito Federal.

Aos seus 50 anos

Faço com todo fervor

Minha homenagem em versos

De poeta cantador

E orgulhoso de ser

Da mesma seu morador”

Chico Repentista

Os versos de Chico Repentista ecoam como uma declaração de pertencimento para a cidade caldeirão cultural. E é da Casa do Cantador, equipamento cultural da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec), que o tocador de 58 anos, levanta seu canto encantado.

Natural de Alexandria/RN, Chico se mostra completamente apaixonado pela cultura cultuada pelos nordestinos e difundida pelo espaço cultural, espécie de coração da cidade.

“Considero este lugar de um acolhimento único. Ceilândia certamente é o coração do Nordeste no Distrito Federal. Local de história, boa música, gastronomia e pessoas generosas. Viva aos seus 50 anos de pura cultura!”, celebra.

CEILANDESTINOS

Ceilândia é mote de repentes para violeiros da cidade. Gerente da Casa do Cantador, Manoel de Sousa Rodrigues, 56 anos, cordelista e radialista conhecido como Zé do Cerrado, é um desses admirados pela cultura pujante da cidade.

“Meus parabéns para Ceilândia,

lugar de cabra da peste;

Pelo jeito que ela fala,

pela roupa que ela veste;

Tinha que ter um pedaço

da história do Nordeste”

Zé do Cerrado

Sabiá Canuto é o nome artístico do poeta e professor Alex Canuto de Melo. Descendente de pais e avós nordestinos, ele nasceu na Ceilândia no mesmo ano da inauguração da Casa do Cantador, e no Dia Nacional do Forró, 13 de dezembro, aniversário de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.

“Meu nome é Ceilândia

Do rap e repente

Da rima que pulsa

Da boca da gente

Da feira lotada

Da massa fervente.

(…)

Eu sou resistência

No verso rimado

Seja no repente

No rap afiado

E o teu desaforo

Não tem meu gingado.”

Sabiá Canuto

Coincidências que formaram parte da identidade de Canuto, criando raízes profundas com o Nordeste, moldando seu jeito próprio de pensar e de se expressar no mundo. É assim que o poeta se vê como um cidadão “ceilandestino”, neologismo criado para abarcar essa identidade de quem nasce no DF e possui a ancestralidade da gente oriunda do Nordeste.

“Um ceilandestino, filho de avô sanfoneiro e de avó rezadeira, que cresceu ao som do forró, do rap e do rock brasiliense. Um ceilandestino que vibra com a história de resistência das origens de sua cidade. A história dos primeiros moradores pelo direito à moradia, a famosa campanha de erradicações, tudo que constitui a história dessa que é hoje a maior cidade do DF e que abriga também o maior São João do Cerrado, referência para o Brasil inteiro”, celebra o artista.

PALÁCIO DA POESIA

Provenientes de um povo festeiro, caloroso e cheio de tradições, as cantorias realizadas nas praças e calçadas de Ceilândia chamaram a atenção do poder público para a necessidade de um espaço que abrigasse todas as manifestações artísticas existentes na região.

Os cantadores, repentistas e poetas da época, que ocupavam a famosa Caixa D’água e a Feira Central de Ceilândia, clamavam por um lugar de cultura. Foi em novembro de 1986 que o sonho foi realizado, com a inauguração da Casa do Cantador.

Conhecida como “Palácio da Poesia”, a Casa do Cantador foi projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, com inspiração na canção “Asa Branca”, do grande ícone do baião Luiz Gonzaga. Presente para os imigrantes nordestinos, o monumento entra para a história por ser o único projeto de Niemeyer no DF realizado fora do Plano Piloto.

“A Casa do Cantador é onde pulsa o coração do nordestino no Distrito Federal. Um ponto de encontro cultural de todas essas manifestações populares, sobretudo aquelas de raízes nordestinas, embora esteja sempre aberta para acolher outras vertentes”, endossa Bartolomeu Rodrigues, reconhecendo o significado do espaço cultural para o povo ceilandense.

De casa nova, a cidade enalteceu raízes, dizeres, expressões artísticas e movimentos diversos do povo nordestino. O ponto de cultura gerenciado pela Secec se tornou símbolo histórico e cultural de Ceilândia e do Brasil, com um papel significativo na difusão, acessibilidade e capacitação cultural, promovendo a democratização da arte à sua população.

A HISTÓRIA

Uma das características marcantes de Ceilândia e de seus habitantes é a concentração de grande número de imigrantes do Nordeste, tornando-se um caldeirão cultural de expressões, cores, sabores, música, poesia e todos os tipos de manifestações que remetem ao modo simples de viver do homem esperançoso do sertão.

A partir da “Campanha de Erradicação das Invasões” (CEI), o então governador Hélio Prates usou a sigla e o sufixo “lândia”, que significa terra, para oficializar, em 1971, a nova morada para mais de 80 mil moradores de irregulares na época. As comunidades que seguiam para a nova Ceilândia vieram das vilas Bernardo Sayão, Colombo, IAPI, Esperança, Morro do Querosene e Tenório.

Após a fundação da cidade, o crescimento populacional foi motivado pelo acolhimento de mais pessoas vindas de outros estados em busca de trabalho e novas oportunidades. De acordo com levantamento realizado pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), a população de Ceilândia hoje é de 432.927 pessoas.

Nascido, em Morada Nova, no Vale do Jaguaribe (CE), Marques Célio Rodrigues, 57 anos, chegou à Ceilândia em 1995, onde construiu sua trajetória de vida e profissional por meio da cultura. Presidente da Associação dos Forrozeiros do Distrito Federal (Asforró), fundada na cidade, ele demonstra satisfação em poder manter seus costumes, partilhando-os com os conterrâneos.

“Sou muito grato a esta querida cidade, por ter conseguido trabalhar, educar e formar meus filhos morando em Ceilândia de forma honesta e promissora. Ceilândia é uma cidade hospitaleira”, revela.