Vá pra Cuba!
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Vá pra Cuba!

Por Angela Rocha  – Jornalista e escritora.
Sempre tive loucura por ir à Cuba. Queria conhecer a velha Cuba de guerra. A histórica e corajosa Cuba de Sierra Maestra, de Fidel, ainda vivo, de Che, no ideário do povo – preservada em sua essência e em minha memória.
Realizei meu sonho, em 2016. Era uma época de grandes novidades por lá, com o processo de reatamento das relações diplomáticas entre os Estados Unidos e Cuba em curso, após meio século de isolamento político e econômico da ilha. Mas por essa eu não esperava: cheguei em Cuba junto com a Coca-Cola!
Depois de alguns dias em Havana e de ter experimentado um Ciego Montero (refrigerante cubano à base de cola, de sabor bastante adocicado para o meu gosto), fomos almoçar em um restaurante típico no centro histórico. De repente, fiquei surpresa quando avistei um caminhão de entregas, na porta do mercado, em frente ao restaurante: descarregava vários engradados de Coca-Cola.
Como assim? Coca-Cola na ilha comunista? Estranhei.
Quando saímos, dois amigos resolveram ir até ao mercado comprar umas latinhas para levar para o hotel.
Aí, vem a primeira de algumas surpresas: o gerente explicou que a iguaria tinha acabado de chegar à cidade; só poderiam começar a vender no dia seguinte – e apenas duas unidades por pessoa… Por mês?!… Por dia; por semana??
Com relação aos turistas, ainda não se sabia como seriam as regras.
Fui à Cuba quase que com uma utopia de encontrar tudo intocado…como um museu preservado e estático. Não estava nos meus planos chegar em Cuba no mesmo momento que a… Coca-Cola!
Depois de tantos dias de longas caminhadas, precisava de algo para dar um alívio no dedo mindinho do meu pé. Entrei em uma farmácia e perguntei se tinha band-aid.
– “Sim. Quantos?”.
Uma caixa, respondi no automático. E ouvi – incrédula – a resposta da atendente do balcão:
– “Ninguém precisa de uma caixa de band-aid. Quantos, exatamente, você precisa?”.
Depois de alguns segundos assimilando a resposta e a informação, respondi baixinho, com cara de criança com medo de exagerar na quantidade de doces: “uns quatro; está bom?”.
– “Sim, ela respondeu com naturalidade”; e destacou os quatro curativos retirados de uma cartela.
Sai sorrindo achando engraçado e pensando (tentando interpretar o pensamento cubano): realmente, a gente nunca utiliza uma caixa inteira de band-aid.
Em outro momento, saindo do hotel, uma cena até então inusitada. Fomos abordados por três mulheres que pareciam querer pedir alguma coisa. Seria dinheiro ou comida, como em tantos locais, mundo afora? Não tinha visto ninguém pedindo nada na rua até aquele momento.
Não. Elas queriam aqueles pequenos frascos de hotel, com shampoo, condicionador e creme hidratante. Um mimo.
Em um país com sistemas de educação e saúde bem avaliados internacionalmente, algumas pessoas sentem falta de pequenos mimos, coisas que deixamos esquecidas nas bancadas do hotel.
Sem julgamento de valor em qualquer uma das histórias… São só histórias; mas servem de reflexão.
Cuba mudou, é claro! Tudo mudou. Mas ainda guarda o seu charme. Muito bom passear por suas ruas carregadas de História; ver seus carros antigos circulando; conversar com seu povo, sempre muito alegre; experimentar suas bebidas e comidas e, principalmente, dançar e se soltar ao som da sua música de ritmo contagiante – o som caribenho, inconfundível.
A Coca-Cola não está sozinha nessa invasão de costumes. Está chegando muito coisa nova na velha Havana. Cuba está passando a ser integrada ao sistema econômico global, com todos os ônus e bônus que isso traz.
O que essas mudanças vão representar? Ainda não sabemos. O mundo inteiro está sendo atropelado por mudanças. Entretanto, em cada feira de artesanato que visitei, espetáculo de música ou teatro, ou mesmo nas ruas, conversando com os transeuntes, se percebe uma determinação – mesmo entre os mais jovens – de preservar a cultura local.
Percebi, claramente, um sentimento de abertura ao novo, mas sem abrir mão de uma forma diferente de pensar.
Nesta nossa época estranha, em que “Vai pra Cuba” virou xingamento, eu diria: Vá conhecer Cuba! Um lugar único, repleto de singularidades. Que sobrevive e resiste em meio às avassaladoras transformações do mundo moderno.
Vá rápido, antes que se acabe!